sábado, 26 de novembro de 2011
João Bunyan
Sonhador imortal
(1628-1688)
"Caminhando pelo deserto deste mundo, parei num sítio onde
havia uma caverna (a prisão de Bedford): ali deitei-me para descansar. Em
breve adormeci e tive um sonho. Vi um homem coberto de andrajos, de pé,
e com as costas voltadas para a sua habitação, tendo sobre os ombros uma
pesada carga e nas mãos um livro".
Faz três séculos que João Bunyan assim iniciou o seu livro, o
Peregrino. Os que conhecem as suas obras literárias podem testificar de
que ele é, de fato, "o Sonhador Imortal" - "Estando ele morto, ainda fala".
Contudo, enquanto miríades de crentes conhecem o Peregrino, poucos
conhecem a história da vida de oração desse valente pregador.
Bunyan, na sua obra, Graça Abundante ao Principal dos Pecadores, nos
informa que seus pais, apesar de viverem em extrema pobreza,
conseguiram ensiná-lo a ler e escrever. Ele mesmo se intitulou a si próprio
de "o principal dos pecadores"; outros atestam que era "bem-sucedido" até
na impiedade. Contudo, casou-se com uma moça de família cujos
membros eram crentes fervorosos Bunyan era funileiro e, como acontecia
com todos os funileiros, era paupérrimo; ele não possuía um prato nem
uma colher - apenas dois livros: O Caminho do Homem Simples para os Céus
e A Prática da Piedade, obras que seu pai, ao falecer, lhe deixara. Apesar de
Bunyan achar algumas coisas que lhe interessavam nesses dois livros,
somente nos cultos é que se sentiu convicto de estar no caminho para o
Inferno.
Descobre-se nos seguintes trechos, copiados de Graça Abundante ao
Principal dos Pecadores, como ele lutava em oração no tempo da sua
conversão:
"Veio-me às mãos uma obra dos 'Ranters', livro estimado por
alguns doutores. Não sabendo julgar os méritos dessas doutrinas,
dediquei-me a orar desta maneira: 'Ó Senhor, não sei julgar entre o erro e
a verdade. Senhor, não me abandones por aceitar ou rejeitar essa doutrina
cegamente; se ela for de ti, não me deixes desprezá-la; se for do Diabo, não
me deixes abraçá-la!' - e, louvado seja Deus, Ele que me dirigiu a clamar;
desconfiando na minha própria sabedoria, Ele mesmo me guarda do erro
dos 'Ranters'. A Bíblia já era para mim muito preciosa nesse tempo."
"Enquanto eu me sentia condenado às penas eternas, admirei-me
de como o próximo se esforçava para ganhar bens terrestres, como se
esperasse viver aqui eternamente... Se eu pudesse ter a certeza da salvação
da minha alma, como se sentiria rico, mesmo que não tivesse mais para
comer a não ser feijão."
"Busquei o Senhor, orando e chorando e do fundo da alma clamei:
'Ó Senhor, mostra-me, eu te rogo, que me amas com amor eterno!' Logo
que clamei, voltaram para mim as palavras, como um eco: 'Eu te amo com
amor eterno!' Deitei-me para dormir em paz e, ao acordar, no dia seguinte,
a mesma paz permanecia na minha alma. O Senhor me assegurou: 'Ameite
enquanto vivias no pecado, amei-te antes, amo-te depois e amar-te-ei
por todo o sempre'."
"Certa manhã, enquanto tremia na oração, porque pensava que não
houvesse palavra de Deus para me sossegar, Ele me deu esta frase: 'A
minha graça te basta'."O meu entendimento foi tão iluminado como se o
Senhor Jesus olhasse dos céus para mim, pelo telhado da casa, e me
dirigisse essas palavras. Voltei para casa chorando, transbordando de
gozo e humilhado até o pó."
"Contudo, certo dia, enquanto andava no campo, a consciência
inquieta, de repente estas palavras entraram na minha alma: 'Tua justiça
está nos céus.' E parecia que, com os olhos da alma, via Jesus Cristo à
destra de Deus, permanecendo ali como minha justiça... Vi, além disso,
que não é o meu bom coração que torna a minha justiça melhor, nem que
a prejudica; porque a minha justiça é o próprio Cristo, o mesmo ontem,
hoje e para sempre. As cadeias então caíram-me das pernas; fiquei livre
das angústias; as tentações perderam a força; o horror da severidade de
Deus não mais me perturbava, e voltei para casa regozijando-me na graça
e no amor de Deus. Não achei na Bíblia a frase: 'Tua justiça está nos céus.'
Mas achei 'o qual para nós foi feito por Deus sabedoria e justiça, e
santificação, e redenção' (1 Coríntios 1.30) e vi que a outra frase era verdade.
"Enquanto eu assim meditava, o seguinte trecho das Escrituras
penetrou no meu espírito com poder: 'Não pelas obras de justiça que
houvéssemos feito, mas segundo a sua misericórdia, nos salvou.' Assim
fui levantado para as alturas e me achava nos braços da graça e
misericórdia. Antes temia a morte, mas depois clamei: 'Quero morrer.' A
morte tornou-se para mim uma coisa desejável. Não se vive
verdadeiramente antes de passar para a outra vida. 'Oh!' - pensava eu -
'esta vida é apenas um sonho em comparação à outra!' Foi nessa ocasião
que as palavras 'herdeiros de Deus' se tornaram tão cheias de sentido, que
eu não posso explicar aqui neste mundo. 'Herdeiros de Deus!' O próprio
Deus é a porção dos santos. Isso vi e disso me admirei, contudo, não posso
contar o que vi... Cristo era um Cristo precioso na minha alma, era o meu
gozo; a paz e o triunfo por Cristo eram tão grandes que tive dificuldade
em conter-me e ficar deitado."
Bunyan, na sua luta para sair da escravidão do vício e do pecado,
não fechava a alma dos perdidos que ignoravam os horrores do inferno.
Acerca disto ele escreveu:
"Percebi pelas Escrituras que o Espírito Santo não quer que os
homens enterrem os seus talentos e dons, mas antes que despertem esses
dons... Dou graças a Deus, por me haver concedido uma medida de
entranhas e compaixão, pela alma do próximo, e me enviou a esforçar-me
grandemente para falar uma palavra que Deus pudesse usar para
apoderar-se da consciência e despertá-la. Nisso o bom Senhor respondeu
ao apelo de seu servo, e o povo começou a mostrar-se comovido e
angustiado de espírito ao perceber o horror do seu pecado e a necessidade
de aceitar a Jesus Cristo."
"De coração, clamei a Deus com grande insistência que Ele tornasse
a Palavra eficaz para a salvação da alma... De fato, disse repetidamente ao
Senhor que, se o meu enforcamento perante os olhos dos ouvintes servisse
para despertá-los e confirmá-los na verdade, eu o aceitaria alegremente."
"O maior anelo em cumprir meu ministério era o de entrar nos
lugares mais escuros do país... Na pregação, realmente, sentia dores de
parto para que nascessem filhos para Deus. Sem fruto, não ligava
importância a qualquer louvor aos meus esforços; com fruto, não me
importava com qualquer oposição."
Os obstáculos que Bunyan tinha de encarar eram muitos e variados.
Satanás, vendo-se grandemente prejudicado pela obra desse servo de
Deus, começou a levantar barreiras de todas as formas. Bunyan resistia
fielmente a todas as tentações de vangloriar-se sobre o fruto de seu ministério
e cair na condenação do Diabo. Quando, certa vez, um dos
ouvintes lhe disse que pregara um bom sermão, ele respondeu: "Não
precisa dizer-me isso, o Diabo já cochichou a mesma coisa no meu ouvido
antes de sair da tribuna."
Então o inimigo das almas suscitou os ímpios para caluniá-lo e
espalhar boatos em todo o país, a fim de induzi-lo a abandonar seu
ministério. Chamavam-no de feiticeiro, jesuíta, cangaceiro e afirmavam
que vivia amancebado, que tinha duas esposas e que os seus filhos eram
ilegítimos.
Quando o Maligno falhou em todos esses planos de desviar
Bunyan do seu ministério glorioso, os inimigos denunciaram-no por não
observar os regulamentos dos cultos da igreja oficial. As autoridades civis
o sentenciaram à prisão perpétua, recusando terminantemente a
revogação da sentença, apesar de todos os esforços de seus amigos e dos
rogos da sua esposa - tinha de ficar preso até se comprometer a não mais
pregar.
Acerca da sua prisão, ele diz: "Nunca tinha sentido a presença de
Deus ao meu lado em todas as ocasiões como depois de ser encerrado...
fortalecendo-me tão ternamente com esta ou aquela Escritura até me fazer
desejar, se fosse lícito, maiores provações para receber maiores consolações".
"Antes de ser preso, eu previa o que aconteceria, e duas coisas
ardiam no coração, acerca de como podia encarar a morte, se chegasse a
tal ponto. Fui dirigido a orar pedindo a Deus me fortalecesse com toda a
força, segundo o poder da sua glória, em toda a fortaleza e longanimidade,
dando com alegria graças ao Pai. Quase nunca orei, durante o ano antes
de ser preso, sem que essa Escritura me entrasse na mente e eu
compreendesse que para sofrer com toda a paciência devia ter toda a
fortaleza, especialmente para sofrer com alegria."
"A segunda consideração foi na passagem que diz: 'Mas nós temos
tido dentro de nós mesmos a sentença de morte para que não
confiássemos em nós mesmos, porém em Deus que ressuscita os mortos'.
Cheguei a ver, por essa Escritura que, se eu chegasse a ponto de sofrer
como devia, primeiramente tinha de sentenciar à morte todas as coisas
que pertencem à nossa vida, considerando-me a mim mesmo, minha
esposa, meus filhos, a saúde, os prazeres, tudo, enfim, como mortos para
comigo e eu morto para com eles.
"Resolvi, como Paulo disse, não olhar para as coisas que se vêem,
mas sim, para as que se não vêem, porque as coisas que se vêem, são
temporais, mas as coisas que se não vêem, são eternas. E compreendi que
se eu fosse prevenido apenas de ser preso, poderia, de improviso, ser
chamado, também, para ser açoitado, ou amarrado ao pelourinho. Ainda
que esperasse apenas esses castigos, não suportaria o castigo de desterro.
Mas a melhor maneira para passar os sofrimentos seria confiar em Deus,
quanto ao mundo vindouro; quanto a este mundo, devia considerar o
sepulcro como minha morada, estender o meu leito nas trevas, dizer à
corrupção: Tu és meu pai', e aos vermes: 'Vós sois minha mãe e minha
irmã' (Jó 17.13,14).
"Contudo, apesar desse auxílio, senti-me um homem cercado de
fraquezas. A separação da minha esposa e de nossos filhos, aqui na prisão
torna-se, às vezes, como se fosse a separação da carne dos ossos. E isto não
somente porque me lembro das tribulações e misérias que meus queridos
têm de sofrer; especialmente a filhinha cega. Minha pobre filha, quão triste
é a tua porção neste mundo! Serás maltratada, pedirás esmolas; passarás
fome, frio, nudez e outras calamidades! Oh! os sofrimentos da minha
ceguinha quebrar-me-iam o coração aos pedaços!"
"Eu meditava muito, também, sobre o horror ao Inferno para os
que temiam a Cruz a ponto de se recusarem a glorificar a Cristo, suas
palavras e leis perante os filhos dos homens. Além do mais, pensava sobre
a glória que Ele preparara para os que, em amor, fé e paciência,
testificavam dele. A lembrança destas coisas serviam para diminuir a
mágoa que sentia ao lembrar-me de que eu e meus queridos sofriam pelo
testemunho de Cristo".
Nem todos os horrores da prisão abalaram o espírito de João
Bunyan. Quando lhes ofereciam a sua liberdade sob a condição de ele não
pregar mais, respondia: "Se eu sair hoje da prisão, pregarei amanhã, com o
auxílio de Deus".
Mas se alguém pensar que, afinal de contas, João Bunyan era
apenas um fanático, deve ler e meditar sobre as obras que nos deixou:
Graça Abundante ao Principal dos Pecadores; Chamado ao Ministério; O
Peregrino; A Peregrina; A Conduta do Crente; A Glória do Templo; O Pecador de
Jerusalém é Salvo; As Guerras da Famosa Cidade de Alma-humana; A vida e a
Morte de Homem Mau; O Sermão do Monte; A Figueira Infrutífera; Discursos
Sobre Oração; O Viajante Celestial; Gemidos de Uma Alma no Inferno; A
Justificação é Imputada, etc.
Passou mais de doze anos encarcerado. É fácil dizer que foram
doze longos anos, mas é difícil conceber o que isso significa - passou mais
da quinta parte da sua vida na prisão, na idade de maior energia. Foi um
quacre, chamado Whitehead, que conseguiu a sua libertação. Depois de
liberto, pregou em Bedford, Londres, e muitas outras cidades. Era tão
popular, que foi alcunhado de "Bispo Bunyan". Continuou o seu
ministério fielmente até a idade de sessenta anos, quando foi atacado de
febre e faleceu. O seu túmulo é visitado por dezenas de milhares de
pessoas.
- Como se explica o êxito de João Bunyan? O orador, o escritor, o
pregador, o professor da Escola Dominical e o pai de família, cada um
conforme o seu ofício, pode lucrar grandemente com um estudo do estilo
e méritos de seus escritos, apesar de ele ter sido apenas um humilde
funileiro, sem instrução.
- Mas como se pode explicar o maravilhoso sucesso de Bunyan?
Como pode um iletrado pregar como ele pregava e escrever num estilo
capaz de interessar à criança e ao adulto; ao pobre e ao rico; ao douto e ao
indouto? A única explicação do seu êxito é que "ele era um homem em constante
comunhão com Deus". Apesar de seu corpo estar preso no cárcere, a
sua alma estava liberta. Porque foi ali, numa cela, que João Bunyan teve as
visões descritas nos seus livros - visões muito mais reais do que os seus
perseguidores e as paredes que o cercavam. Depois de desaparecerem os
perseguidores da terra e as paredes caírem em pó, o que Bunyan escreveu
continua a iluminar e alegrar a todas as terras e a todas as gerações.
O que vamos citar mostra como Bunyan lutava com Deus em
oração:
"Há, na oração, o ato de desvelar a própria pessoa, de abrir o
coração perante Deus, de derramar afetuosamente a alma em pedidos,
suspiros e gemidos. 'Senhor', disse Davi, 'diante de ti está todo o meu
desejo e o meu gemido não te é oculto' (Salmo 38.9). E outra vez: 'A minha
alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando entrarei e me apresentarei
ante a face de Deus? Quando me lembro disto, dentro de mim derramo a
minha alma!' (Salmo 42.2-4). Note: 'Derramo a minha alma!' é um termo
demonstrativo de que em oração sai a própria vida e toda a força para
Deus".
Em outra ocasião escreveu: "As melhores orações consistem, às
vezes, mais de gemidos do que de palavras e estas palavras não são mais
que a mera representação do coração, vida e espírito de tais orações".
Como ele insistia e importunava em oração a Deus, é claro no trecho
seguinte: "Eu te digo: Continua a bater, chorar, gemer e prantear; se Ele se
não levantar para te dar, porque és seu amigo, ao menos por causa da tua
importunação, levantar-se-á para dar-te tudo o que precisares".
Sem contestação, o grande fenômeno da vida de João Bunyan
consistia no seu conhecimento íntimo das Escrituras, as quais amava; e na
perseverança em oração ao Deus que adorava. Se alguém duvidar de que
Bunyan seguia a vontade de Deus nos doze longos anos que passou na
prisão de Bedford, deve lembrar-se de que esse servo de Cristo, ao
escrever O Peregrino, na prisão de Bedford, pregou um sermão que já dura
quase três séculos e que hoje é lido em cento e quarenta línguas. É o livro
de maior circulação depois da Bíblia. Sem tal dedicação a Deus, não seria
possível conseguir o incalculável fruto eterno desse sermão pregado por
um funileiro cheio da graça de Deus!
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